04/11/2008

Pintar/Dançar

"Ele pinta assim: recusa marcar diferenças de "nível" - ou de plano - entre as várias partes do rosto. A mesma linha, ou conjunto de linhas, pode abranger o olho, a face e a sobrancelha. Nunca os olhos são azuis, nem as faces rosadas, nem a sobrancelha negra e curva: uma linha contínua forma o olho, a face e a sobrancelha. Não há sombra do nariz sobre o rosto, ou antes, a existir, essa sombra deve ser entendida como parte integrante do mesmo, com idênticos traços, curvas, todos igualmente válidos.
(...)
Essa capacidade de isolar objectos e aí fazer confluir as suas específicas e únicas significações, só é possível com a abolição histórica do observador. Requer excepcional esforço esquecer a história, sem nos tornarmos numa espécie de eterno presente, mas antes vertiginosa e ininterrupta corrida do passado para o futuro, oscilação de extremo a extremo, sem repouso.
Se olho o roupeiro no intuito de saber finalmente o que ele é, elimino tudo o que ele não é. E o esforço despendido faz de mim um ser curioso: tal ser, tal observador, deixa de estar presente, e deixa até de ser observador presente: não cessando de voltar ao passado e a um futuro indefinido. Ausenta-se para que permaneça o roupeiro, e para que entre si e o roupeiro desapareçam todos os laços afectivos ou utilitários." Jean Genet, O estúdio de Alberto Giacometti , Assírio e Alvim, 1999